Meu corpo em flor




quinta-feira, 18 de outubro de 2007

E subitamente iluminado por luz branca
que irradiava atrevida de meu sol,
me deixando com um gosto doce de adeus
e possibilitando a inaudita florescência,
vi espasmado, qual Narciso anídrico, a beleza de meu corpo em flor.

Não foi estranho, mas nem de tudo normal.
Talvez germinassem em mim por tempos infinitos,
por noites estelares, por entre fendas inférteis,
ou no interior da montanha meteórica que abriga o duro mineral,
as sementes seculares disseminadas em terras ressentidas, numa fuga à Medina, numa diáspora universal,
pelo plantador de sicômoros que, em sua algibeira, trazia tudo, menos tal semente.

E sem aviso imediato, sem sinais no céu em nuvens,
explodiram por entre poros, desacostumados a expelir, até no cálido dia
o mal-humor aquoso do corpo ignescente.
E brotaram e germinaram e cresceram

O meu olhar, roxeado de surpresa, perante a coisa revelação,
conseguiu, num só instante, ver-se por dentro,
como espelho que reflete o interior mais belo de um ser que se habituou a feiúra vigente, e contemplar as displicentes
e tristes e silenciosas violetas que são meus olhos.
Minha boca-flor-de-lis em exultação salivava néctares, fogo, ostentação.
E sem pensar ou pensando crisântemos, flor de macieira, mal-me-quer, amor-perfeito, cravos, na cabeça-florada-graciosa-de-acacias,
esmiucei um belo sorriso de botões de ouro.

Meu corpo em flor.

Meu corpo em flor.

E inebriado com odor das papoulas-narinas,
extático com os vários perfumes que exalavam de mim, deixei rolar pela face-flor-romã alguns nenúfares ou flor de ipê branco
e a lágrima era mais doce que mel de laranjeira
e escorria pelo pecoço-flor-hortênsia frágil,
cambaleante diante dos chuviscos que prenunciavam a tempestade.
Desceu e irrigou meu peito-ciclâmen
e se havia algo não entregue ao espetáculo florescente... Esse algo tornou-se flor-de-lotus.

O concreto foi demolido pelo fino dedo verde e tudo, tudo transfigurou-se em flor.
Minha pele era mescla de alvura: rosa branca, flor de cerejeira, de amendoeira, de cedro do Líbano, de lírios dos prados de Israel, de henas, de mirsinas, de aroeiras
e perdido entre pentâmeras, tetrâmeras, caules, verdes, folhas, cheiros
e sem distinguir gineceu de androceu, não sendo um, mas sendo o outro ou o inverso,
arrebatado pelo prazer da fotossíntese e cego,
como vitória régia, que não vê seu esplendor na água turva, senti meu falo desabrochar em soberbo copo-de-leite.
E não resisti e me entreguei e floresci.

De meu coração ferido por raízes e espinhos, disputavam primazia rosa vermelha dolorida e o radioso girassol.
Era árvore de milhares floradas e estava ali entregue à epifania verdejante
e esperei por dedólatras adormecidos, por ninfas, por curupiras, por jardineiros entorpecidos, pelo príncipe de outra dimensão.
E quando tudo se recompôs, quando perdido me encontrei,
quando o arrebatamento se dissolveu em pedra, pó, vento,
me esqueci das borboletas azuis que pousaram em minhas corolas,
dos colibris multicolores que me beijavam devotamente, de minhas mãos-delicadas-margaridas, de meus pés-humildes-geranios,
de minhas pernas força delicada de heras e de orquídeas
de meu sonho real fragrância de dama-da-noite ou absurda beleza de flor-de-maracujá,
de minh’alma-sempre-viva...
e sozinho no quarto escuro, descobri desiludido,
a explicação feita pelo Profeta que o solo espinhento logo sufoca a vida que floresce
e pouco resta no coração empedernido quando caído da enlevação.
Somente caules retorcidos, pétalas ressequidas e uma semente que se recusa a morrer.

17 comentários:

Anônimo on: 18 de outubro de 2007 às 06:17 disse...

achei muito legal como fez esse poema flores são tão romanticas quanto um poema, um par perfeito!
muito bom!
até+.bj

César Schuler on: 18 de outubro de 2007 às 10:28 disse...

Muito lindo!
parabens!

Felipe Bastos on: 18 de outubro de 2007 às 10:56 disse...

Muito Lindo o poema,e a imagem ,parabéns !

Diego Moretto on: 18 de outubro de 2007 às 16:10 disse...

Gostei do poema, mas desculpa, a figura ofuscou. Belíssima escolha. Parabens!

Thiago on: 19 de outubro de 2007 às 08:41 disse...

comentado =)

César Schuler on: 19 de outubro de 2007 às 08:42 disse...

:D

Renata Andrade Chamilet on: 19 de outubro de 2007 às 15:46 disse...

amo Arcimboldo! Ótima escolha!

young vapire luke lestat on: 19 de outubro de 2007 às 16:13 disse...

beliss´mo texto !!!!!!
gostei muito do seu blog.



[]L.Sakssida

JulianaGomes on: 20 de outubro de 2007 às 14:44 disse...

Que lindo o poemaa!!
aprabéns! x)

bjo

Zanfa on: 21 de outubro de 2007 às 06:56 disse...

Muito boa a poesia, parabéns.

Isso ae, mesmo que tudo não vá bem, a semente não pode morrer. ;D

coisasqueeuvivendo on: 21 de outubro de 2007 às 07:07 disse...

Interessante alusão do retorno da natureza como resposta a todas as indagações e remédio para todos os males. Somos flores breves nesta vida que duranta o fulgor da beleza nos echemso de vaidades, mas quando esta se encolhe corremso a procurar sementes para deixar. Como cerejeiras de vida breve, como jasmim espalhando odores inebriantes, como violetas cuja floração demora mas surge bela.

Parabéns e boa promavera d avida para voce!!

Renata Andrade Chamilet on: 21 de outubro de 2007 às 14:39 disse...

dessa vez, li com outros olhos. Muito lindo!

Antonio † on: 21 de outubro de 2007 às 14:40 disse...

não sou fã de poemas e particularmente não consigo me expressar em um,
mas esse seu foge à métrica padrão e deixa ele com ar de texto, o que, a meu ver, é excelente :D

amei a imagem, caiu como luva no texto
flw

Cesar Fernandes on: 21 de outubro de 2007 às 14:48 disse...

Bem escrito d +. Parabens pela reunião das palavras e pensamentos que resultou nesse exelente texto

Jéssica Torres on: 21 de outubro de 2007 às 15:15 disse...

Nossa! A imagem é de tirar o folego! E a poesia é de uma emoção tal que não pra não se sentir inspirado por ela!
Adorei!

César Schuler on: 22 de outubro de 2007 às 10:10 disse...

poh, atualiza aqui^^

O Enxadrista on: 22 de outubro de 2007 às 11:12 disse...

Belo poema, cara. Vc escreve muito bem.

 

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